Lições de expansão internacional do Vale do Silício

Vale-do-silicio-expansão-internacional

Quando se trata de empresas de tecnologia, que lugar vem à sua mente? Vale do Silício, certo? Além de ser uma referência para empreendedores de todo o mundo, a região também reúne dezenas de empresas com atuação internacional relevante o que o torna um ótimo lugar para aprender com outras empresas globais sobre como alcançaram o sucesso no mercado externo.

Esta postagem é sobre a minha experiência morando em San Francisco por um mês em 2018 para poder conversar com mais de 20 empresas, incluindo LinkedIn, Dropbox e DocuSign. Além de empresas americanas, também conversei com empresas provenientes de outros mercados como Typeform, EbanX, BlablaCar e VTEX, entre outras, para que eu pudesse entender as diferenças entre empresas americanas e não americanas quando se trata de entrar em novos mercados.

Como a expansão internacional é um assunto amplo, aqui estão os 4 tópicos principais em que me concentrei durante a minha estadia:

  • Metodologia de expansão internacional: as empresas seguem etapas claras ao se expandir? Eles estabelecem cronogramas e metas, alocam recursos e assim por diante?
  • Seleções de mercados: quais são os critérios de seleção na escolha de novos mercados? Como as empresas acompanham os resultados?
  • Estrutura organizacional: quais são as estruturas ideais para empresas internacionais? 
  • Gestão de equipes internacionais: melhores práticas para lidar com times alocados em diferentes regiões

Irei apresentar os meus aprendizados dentro de cada um destes tópicos.

Metodologia de expansão internacional

Aprendizado #1: poucas empresas têm um metodologia clara de expansão internacional com objetivos, recursos, resultados e estágios definidos claros. 

Apenas 3 de 23 das empresas com as quais conversei tinham um passo a passo claro para a entrada em novos mercado. Devido ao sigilo acordado, não posso compartilhar em detalhes como aquelas que têm uma metodologia operam, porém posso mencionar boas práticas presentes nelas:

  • Organizar a entrada em novos mercados em diferentes etapas, havendo clareza de objetivo para cada uma dela e o que deve ser feito para atingi-lo. Exemplo: etapa 1 orientada a gerar conhecimento da marca em um novo país. Etapa 2: iniciar a geração de oportunidade para vendas;
  • Determinar os investimentos para a sua expansão e acompanhá-los de perto. Importante determinar o prazo para o equilíbrio (break-even), assim como entender o impacto dos investimentos e resultados em métricas de negócio (exemplo: LTV/CAC);
  • Utilizar uma metodologia lean, que permita testar e alcançar Product-Market Fit antes de escalar a sua operação ou investimentos.

Aprendizado #2: empresas nascidas em mercados de língua inglesa precisam de menos adaptação para entrar em outros mercados.

Podemos interpretar isso como um fato: as empresas que têm seus produtos em inglês desde o primeiro dia “nascem globais”. Isso as torna mais próximas de outros mercados do que empresas fundadas em países com outros idiomas, como é o caso do Brasil.

Ter produtos e serviços em inglês lhes permite adquirir organicamente clientes de qualquer outro país, sem fazer nenhum esforço para internacionalizar seus produtos e processos. É por isso que muitos deles iniciam sua expansão depois de já terem uma porcentagem considerável de sua receita proveniente de mercados internacionais (em geral acima de 20%, mesmo sem nenhum trabalho ativo para outros países).

Além disso, a maioria das empresas americanas com quem entrei em contato escolhem outros países desenvolvidos para focar sua expansão global, justamente por apresentarem realidades mais semelhantes à dos Estados Unidos do que aos mercados emergentes, o que requer menos adaptação para a conquista de clientes. É mais fácil optar por um mercado com alta penetração de cartão de crédito, por exemplo, do que precisar adaptar os meios de pagamento.

Com isso, este perfil de empresa não necessita estruturar uma metodologia de internacionalização complexa, bastando fazer tradução da sua solução e ajustes menores que permitam a compra de suas soluções em mercados externos. Esta é uma abordagem interessante e possível para empresas brasileiras, dependendo do que ela oferece e seu modelo de negócio.

2. Seleção de mercados 

Aprendizado #1: a maioria das empresas americanas com quem conversei observa estes dois critérios para escolher mercados: demanda orgânica e nível de risco e complexidade.

Como mencionado anteriormente, estas empresas podem ter clientes internacionais desde o início, o que torna a tração orgânica um ativo importante na hora de selecionar os países em que entrar. Observar que 50% dos clientes internacionais vêm da Itália, por exemplo, indica que este país tem potencial para ser um mercado-alvo da empresa. A partir disso, algumas optam por localizar a sua solução para este país.

Além disso, muitas empresas observam o risco e complexidade envolvido a entrar mais ativamente em um país. Entender se a economia local é forte e estável é um fator importante para esta seleção, assim como o grau de dificuldade de ter uma operação local. Neste aspectos rankings como ease of doing business e incentivos governamentais são observados com atenção. 

Mesmo o primeiro ponto não sendo uma realidade para empresas brasileiras, certamente o segundo se encaixa também na nossa realidade quando precisamos escolher para onde expandir os nossos negócios.

Aprendizado #2: boa prática para a seleção de países: avaliação em dois eixos.

Uma das maneiras adotadas para a seleção de mercados seria o desenho de uma matriz que considera dois eixos:

  • Eixo 1: A atratividade do mercado (aspectos externos. Exemplo: tamanho do mercado)
  • Eixo 2: A preparação da empresa (aspectos internos. Exemplo: disponibilidade de time para atender determinado fuso-horário)

Vou comentar mais profundamente sobre este tópico em um post específico, porém a boa prática comentada era não que cada eixo não deve conter mais do que 5 fatores. O maior desafio aqui seria a definição destes critérios-chave e o peso que cada um deve ter.

Aprendizado #3: embora algumas empresas tenham uma abordagem de expansão global ou regional, todas rastreiam os resultados por país.

Entender o que está acontecendo em cada um desses mercados facilita a otimização dos esforços de internacionalização, bem como a identificação de oportunidades de crescimento. Uma ilustração aqui seria uma empresa investindo na América Latina. Mesmo avaliando os seus resultados por região, é interessante haver a possibilidade de dar um zoom em como cada mercado está se comportando. Isso possibilita a identificação de gargalos ou de identificação de oportunidades para alavancar ainda mais seus resultados.

3. Estrutura organizacional

Aprendizado #1: a maioria das empresas escolhe um modelo matricial para estruturar suas equipes para mercados internacionais.

Em geral, percebi que equipes funcionais (Vendas, Produto, Marketing, etc) possuem alguns funcionários (ou equipes inteiras) trabalhando para mercados internacionais, mas reportando a um mesmo líder final de área, seguindo uma hierarquia como esta:

Líder de Marketing Global

Líder de marketing regional

Líder de marketing local

Equipe de marketing local 

Por outro lado, algumas empresas podem optar por criar estruturas verticais para mercados internacionais, o que pode funcionar tão bem como um modelo matricial. Neste caso, em geral a decisão é tomada para dar mais autonomia a essa área. Neste caso a estrutura seria:

Líder de Marketing para mercados internacionais

Líder de marketing regional

Líder de marketing local

Equipe de marketing local 

O cuidado neste modelo seria a garantia de troca de informações e aprendizados com a estrutura voltada ao mercado nacional, para que não sejam criados silos.

Aprendizado #2: não existe uma job description única para Country Managers, porém quase sempre são líderes de vendas.

A função e as responsabilidades de um Country Manager variam de empresa para empresa, sendo por vezes uma função mais estratégica, por vezes mais tática ou até operacional. Tudo vai depender do momento da empresa neste novo mercado. Para abertura de escritório, contratação, validação inicial, um perfil mais tático-operacional pode fazer sentido enquanto para o desenho de um plano de entrada, controle de P&L e relacionamento com o mercado pode requerer um perfil mais sênior.

Um destaque é que em todas as empresas com as quais conversei estas pessoas, sem exceção, selecionam pessoas com experiência em vendas para esta posição, sendo eles geralmente vezes os responsáveis pelo encaminhamento de fechamentos estratégicos.

Aprendizado #3: há mais de uma maneira de estruturar o gerenciamento de escritórios internacionais.

Estas são dúvidas recorrentes de empresas: Como deve ser a nossa estrutura? Quem deve liderar o time contratado em outra localidade? O Country Manager ou o líder de área (no nosso caso baseado no Brasil)?

Devido à confidencialidade do benchmark, apresentarei dois modelos sem mencionar os nomes das empresas:

Empresa 1: As equipes de marketing, vendas e outras trabalham em um modelo matricial e reportam diretamente ao líder funcional, porém com uma linha pontilhada ao Country Manager. 

Neste caso a responsabilidade de performance e desenvolvimento é do líder de área, porém o Country Manager é quem acompanha o time no dia a dia e tem poder de influência sobre ele, sendo a autoridade local. Nestes casos, ele e o líder funcional fazem juntos a avaliação de performance do time.

Empresa 2: o Country Manager é o “CEO” do país e as equipes se reportam a ele. Qualquer iniciativa definida no Headquarters deve aprovada ou não por ele, sendo muito maior a sua autonomia do que na empresa 1.

4. Gestão de equipe internacional

Quanto mais a empresa escala internacionalmente, maiores são as chances de ela ter equipes multiculturais e multilingues baseadas em locais diferentes. E este é um cenário muito desafiador quando falamos na gestão destas pessoas, já que a sua motivação, alinhamento cultural com a empresa e performance são chave para o seu crescimento global.

Preparei uma lista com as melhores práticas que coletei durante este benchmark:

Reuniões:

  • Sempre ter o vídeo ligado durante calls garante que pessoas em outras localidades tenham um senso de envolvimento e pertencimento;
  • Fazer com que cada participante use o próprio notebook coloca todos os envolvidos em um mesmo nível de interação;
  • É importante respeitar o fuso-horário de funcionamento dos colaboradores (nada de reunião 7h da manhã!);
  • Respeitar feriados locais (prestar atenção ao agendar uma reunião);

Gestão de time:

  • Fornecer aos líderes treinamento em gestão de equipe internacional;
  • Replicar os benefícios e programas oferecidos aqui para cada escritório local (com adaptações, claro);
  • Envolver os executivos da empresa na gestão de escritórios internacionais (se possível, desenhando uma agenda de viagens);
  • Quando possível, prever a vinda de funcionários para a sede (se não for possível trazer todos, desenvolver premiações mediante performance);
  • Ter um funcionário de confiança (e com tempo de casa) envolvido ativamente na abertura de escritórios globais para a manutenção da cultura da empresa

Idiomas e comunicações:

  • Em reuniões ou comunicações gerais, utilizar o idioma que permita o máximo de entendimento de todos os envolvidos (ou desdobrar as comunicações em mais de um idioma);
  • Em momento de escala, optar pelo inglês como língua universal;
  • Oferecer aulas de idioma in company para todos (interessante que o colaborador pague ao menos um percentual para garantir comprometimento do lado dele).

E a sua empresa? O que você aprendeu com seu processo de internacionalização? Existe algum tópico com o qual você concorda ou discorda? Deixe um comentário abaixo. 🙂

Deixe um comentário